Uma
pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)
mostra que a pandemia de covid-19 reduziu a proporção de mulheres no
empreendedorismo. De acordo com o levantamento, no terceiro trimestre de 2020
havia cerca de 25,6 milhões de donos de negócio no Brasil. Desse universo,
aproximadamente 8,6 milhões eram mulheres (33,6%) e 17 milhões, homens (66,4%).
Em
2019, a presença feminina correspondia a 34,5% do total de empreendedores, o
que representou perda de 1,3 milhão de mulheres à frente de um negócio entre um
ano e outro. A principal explicação para esse resultado foi a necessidade de as
mulheres se dedicarem mais às tarefas domésticas durante a pandemia, um reflexo
do machismo estrutural na sociedade.
"Na
crise, cuidados com idosos e crianças foram muito mais necessários. Primeiro,
porque as crianças estavam fora das escolas e, segundo, os idosos estavam
demandando mais cuidados por serem grupo de risco para a Covid. Por motivos
culturais, essas tarefas sempre recaem muito mais sobre a mulher. O que era
precário ficou muito pior", diz Renata Malheiros, coordenadora nacional do
Projeto Sebrae Delas, que fortalece o empreendedorismo feminino.
Em
pesquisa anterior, o Sebrae já havia observado uma perda maior para as mulheres
nos negócios do que para os homens. Do total de empreendedoras atingidas pela
pandemia, 75% delas registraram perda de faturamento mensal, enquanto que, para
os homens, essa perda foi um pouco menor (71%).
"O
tempo que as mulheres dedicam às empresas é, em média, 17% menor do que os
homens", afirma Malheiros. Outro dado que aponta a desigualdade de gênero
no ambiente de negócios é que, apesar de as mulheres serem 16% mais
escolarizadas do que os homens, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), as empresas lideradas por mulheres faturam, em
média, menos do que empresas lideradas por homens. Uma das razões disso é que
as mulheres costumam empreender em setores como alimentos, bebidas, moda e
beleza, que são segmentos de menor valor agregado na produção e de baixa inovação.
"Cadê
as mulheres nas exatas, nas engenharias, nas ciências, em setores fortes em
inovação e tecnologia? É uma presença bem inferior à dos homens ainda, porque
as mulheres são ensinadas culturalmente que determinadas áreas não são para
elas, e isso traz reflexos nessas escolhas", afirma a coordenadora do
Sebrae Delas.
Empreender
por necessidade
A
maternidade também é um fator que, no Brasil, cria dificuldades para as
mulheres se manterem no mercado de trabalho e no mundo dos negócios. Estudo da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), de 2019, mostrou que metade das mães que
trabalham é demitida ou pede demissão até dois anos depois que acaba a licença,
devido à mentalidade de que os cuidados com os filhos são praticamente uma
exclusividade delas.
É
o caso da empresária Renata Matos Zamperlini, de Campo Grande (MS). Dona de uma
loja que vende roupas infanto-juvenis, ela começou vendendo de porta em porta
enquanto ainda era executiva em uma empresa privada. Com o nascimento do filho
Davi e a necessidade de dedicar mais tempo em casa, ela abriu mão da carreira
profissional e passou a se dedicar integralmente à estruturação de seu negócio.
"Eu
queria ter esse horário mais flexível para poder dar conta das demandas de casa
também", explica. Esse tipo de decisão, motivada por alguma necessidade, é
mais comum para as mulheres do que para os homens. De acordo com Renata
Malheiros, do Sebrae, 42% dos empreendimentos das mulheres são por necessidade
e não por oportunidade, enquanto que para os homens, esse número é menor (34%).
"O empreendedorismo por necessidade é mais precário, porque normalmente a
pessoa não tem alternativa e não se planeja".
Negócios
na pandemia
No
caso de Renta Zamperlini, a aposta deu certo e ela prosperou no negócio a
partir de 2018, quando chegou a abrir uma loja física na capital sul-mato-grossense.
Mas veio a pandemia e a empresária acabou pisando no freio, encerrando as
atividades presenciais e focando as vendas no delivery. Com o filho de 7 anos o
tempo todo dentro de casa, as tarefas se multiplicaram. "Meu filho Davi
foi alfabetizado ao longo de 2020 por meio de aula online, de manhã e à tarde,
e eu precisei ficar dando esse suporte, além de cuidar de casa, do almoço, da
loja. Me senti bastante sobrecarregada. Eu brinco que a mulher acaba tendo que
ser como um polvo, com muitos braços para dar conta das demandas".
Para
a empresária Bruna Campos, de Taboão da Serra (SP), a pandemia também afetou
fortemente os negócios no início. Dona de uma empresa de marketing e propaganda
em sociedade com o marido, ela temeu que os clientes cortassem os serviços.
"Foi
uma fase bem difícil. Passamos os dois primeiros meses achando que teríamos que
reduzir equipe, mas no final do ano a gente se recuperou e acabou contratando
mais três pessoas", comemora.
Por
não ter filhos, Brunna conta que é mais fácil se dedicar integralmente à vida
profissional, mas ela percebe como a sobrecarga de trabalho tem afetado a vida
de outras mulheres. "Uma das minhas colaboradoras, que era representante
comercial, tem três filhos, sendo dois pequenos, e com a pandemia ela teve que
virar mãe em tempo integral dentro de casa. Não conseguia mais trabalhar nem
por telefone".
Para
enfrentar um desafio tão estrutural, segundo Renata Malheiros, é preciso o
envolvimento de toda a sociedade. "Precisamos estimular que os homens
discutam essas questões e que as mulheres se articulem em rede para melhorar
portfólio, se capacitar e desenvolver novas habilidades. As empresas e
instituições também precisam se adaptar, criando brinquedotecas com cuidadores
em tudo que é canto, por exemplo, para que a mulher tenha suporte com os filhos
para poder se dedicar ao trabalho. Pela minha experiência, trabalhar em rede é
sempre a melhor forma de conseguir coisas difíceis".
Para marcar o Dia Internacional
da Mulher, o Sebrae realiza segunda-feira (8/3) um evento virtual. Serão três
painéis focados em temas relacionados à digitalização dos micro e pequenos
negócios e ao empreendedorismo feminino. A transmissão começa às 10h no canal do
Sebrae no Youtube .
Sebrae
Delas
Voltado
para as mulheres empreendedoras, o Sebrae Delas apoia o empreendedorismo
feminino por meio do desenvolvimento de competências. Segundo a instituição, é
um programa de aceleração, com o objetivo de aumentar a probabilidade de
sucesso de ideias e negócios liderados por mulheres. Entre 2019 e 2020, mais de
10 mil donas de pequenos negócios já foram atendidas. O programa oferece
cursos, workshops e consultorias para mulheres de todo o país. O Sebrae Delas
também incentiva o contato entre as empreendedoras, para que elas construam uma
rede de apoio e compartilhamento de problemas e soluções na gestão empresarial.
Outros
dados
Apesar
de identificar a persistente desigualdade de gênero nos negócios, a pesquisa do
Sebrae mostrou que as mulheres estão mais tecnológicas do que os homens: 76%
delas fazem uso das redes sociais, aplicativos ou internet na venda de seus
produtos e serviços, enquanto 67% dos homens utilizam esses canais. Além disso,
os homens estão mais endividados do que as mulheres: 38% deles têm
dívidas/empréstimos, mas estão em dia, contra 34% delas. Já as mulheres são
mais cautelosas em relação a contrair dívidas. Segundo o levantamento, 35%
delas disseram que não têm dívidas, contra 30% dos homens.
A
maior parte dos homens tem também mais empréstimos bancários (46%) do que as
mulheres (43%). As dívidas com impostos e taxas foram citadas por 16% dos
homens e 13% das mulheres. A maior parte das mulheres (51%) disse que não
buscou empréstimo bancário para a sua empresa desde o começo da crise, enquanto
54% dos homens buscaram. (ABr)
Segunda-feira,8
de março, 2021 ás 10:00